Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Ultimamente tem feito frio, as noites são geladas e as extremidades teimam em não querer aquecer. Estamos no pico do Verão, tal como quando te conheci. Desde que partiste que as estações são todas iguais. Que raio de clima este! Os dias cheiram-me a Inverno.
Ainda não me consegui habituar a esta nova sensação de perda, mesmo que contigo tenha passado toda a parte do tempo a perder-me.
Rendi a minha alma, o meu corpo, rendi aquilo que aos olhos do amor é chamado de coração. Não me arrependo de me ter perdido inteira, pois não haveria outra maneira de me conseguir somar.
Escuta, tu que ainda me ouves e não precisas de falar, ainda te vou ouvir novamente com essa voz que trazias, doce... aqui, na terra dos fisicamente vivos, ficou escrita a nossa história, tão bela a nossa história.
Fiz cumprir todas as juras, puras, sem esforço e eu sei que os ganhos foram consequências das minhas perdas, benditas. Na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, até que a morte “não nos separe”.
Temi mais a tua dor do que a tua partida, porque não foi uma despedida, tu só estavas cansado de respirar. Que nunca se canse o nosso amor, que jamais lhe falte o ar!
Pode demorar, mas a saudade vai passar quando nos reavermos noutra existência.
A ti, que vieste ao mundo em forma humana, preencheste da maneira exata o meu coração e continuas, seja em que espécie de vida for, a ser o único a quem hei de chamar de amor.
Até já!
Já faz tempo que não me lembrava o que era esquecer os ponteiros do relógio, perdi a noção, mas certamente que já bateu a hora em que deveríamos estar a descansar.
Chegou a altura de te confessar, posso sussurrar-te ao ouvido? Deixa-me fazê-lo tão lentamente tal como me tens despido só com o olhar.
Já me começo a sentir nua, mas tão à vontade, como se o tivéssemos feito vezes sem conta.
Quase sem eu te falar de mim tu consegues adivinhar, passando os teus lábios molhados e aumentando a sensação, quando minutos antes colaste a tua à minha mão.
E eu sem saber se estou louca ou a agir carnalmente... Ahhhh, deixemo-nos de pensamentos agora, quero que me consumas e ainda há pouco te disse que já passa da hora. Sinto-me descoberta, apesar de todo este escuro. O espaço é pouco e a temperatura começa a não facilitar, o que dirá o futuro eu não sei, mas o meu corpo já está colado ao teu e não há mais como parar.
(...)
Demos o nosso melhor, perante todas as limitações, eu certifiquei-me não gritar em momentos de maiores tensões, porque lá fora não deixou de existir vida, embora o carro pareça estar num mundo à parte. Promete que não foi a única noite em que experimentámos este estado de arte.
E, de repente, já não sei em que parte estamos neste carrossel. Quando chegar a casa, vai ser difícil adormecer, a tentar recordar-me o que queria sussurrar-te ao ouvido e acabou por não acontecer.
“Para a próxima eu não me esqueço.”
Vou viciar-me facilmente em ti, mas surge por aí que o único vício bom é o amor. Não vamos tardar em fazê-lo.
Penso, sim, claro que penso. Ainda me invades as noites quando quero tentar adormecer. Não é fácil o adormecimento.
Aprendi contigo que o teu silêncio não é sinónimo de esquecimento e que a tua ausência vai ser sempre casa da tua saudade.
Estou inundada em culpa e talvez seja por isso que me cobras. Irónico o sentido desta frase, quando eras tu que achavas que eu o fazia contigo.
Cortei os nós. Tive de o fazer. Fi-lo, provavelmente não da forma mais correta e, pela primeira vez, fui egoísta. (Não fui vingança.)
Nunca me levaste muito a sério e pensaste que eu queria o caminho mais fácil das coisas. Acredita que esta foi a maior prova que te podia dar de que isso não se transparece no real.
Naquele que era o nosso presente, já nem havia espaço para um futuro. Fomos um pretérito imperfeito, com objetivos diferentes, deduzia-te um pouco imaturo e eu cresci. Eu acho que cresci.
O que eu queria já não era o que tu querias, aquilo em que eu acreditava era sempre aquilo em que tu colocavas defeitos, mas isso não significa que tu estivesses errado.
Agora somos polos opostos.
Não és o lado mau, não és o assombro que há quem te queira fazer parecer. Eu lutei para que tivesses noção de que a vida não é apenas ser, sem mais nada.
A vida não tem intervalos e tu vais ter de penar muito para reaprender a viver.
Hoje podes estar a morrer por dentro, mas tenta tu adormecer, porque amanhã será melhor o recomeço.
Pareço-te fria, sem qualquer espécie de coração. Gostei de ti constantemente mas, para começar a gostar mais de mim, tive de aprender comigo própria a dizer-te que não.
Olá a todos!
Esta conversa estava guardada há algum tempo.
Que a ouçam com atenção, tal como eu a ouço vezes e vezes sem conta. Sem cansar.
Um beijinho meu e da Avó Né
Por ti dei tudo o que podia
E findou por ficar na melancolia.
Se desta for um “adeus”, não me voltes a dizer “olá”
Porque não sabes, nem sentes a mossa que isto me faz por cá.
Tornei-me numa personagem que nunca quis ser
Fiz de fantoche, mimo, boneco de trapos e tudo sem querer.
Dizias que por ela estava louco,
Que não saía deste sufoco
E não percebias o que estava a sentir,
Quando eu sei que no fundo, era só uma desculpa
Porque o teu melhor passatempo era baseado na palavra “mentir”.
Talvez mais tarde entendas o que me foi na alma,
Dizem que o tempo tudo leva, tudo acalma,
E por ela vou fingindo estar apaixonado.
Fico longe daqui, já que contigo não chegava a ir a qualquer lado.
Não bebo para festejar, acredita
E espero que a história não se repita
Porque me sinto completamente acorrentado.
Talvez daqui a uns anos, quando tiveres tu outros planos,
Acabes por entender
Que o tempo que me restava, era com ela que passava
Na esperança de te conseguir esquecer.
Agora, à beira do abismo,
Entrego a minha alma ao além,
Estou a suavizar com este eufemismo,
Mas dou-te um conselho:
Nunca te apaixones por ninguém!
Fiquei acabado e interdito ao amor
Com as lágrimas que derramo com a ajuda deste álcool em estado puro,
Que é o mais próximo que tenho do teu calor.
Fica na tua consciência plena
Se achas que os anos passados foram os corretos,
Errei vezes sem conta, mas foram os meus prediletos.
Elogiava a pessoa perfeita que criei na minha cabeça
Já te desejei muito mal, mas prevejo que isso não te aconteça.
Vou ficando por aqui, a agarrar na próxima litrosa.
Sabes onde paro, onde estou,
Não vou mais à tua porta para dar show,
Nem me venhas procurar, toda chorosa.
Odeio-te, porque a tua carência é tão intensa como a tua presença.
A luz é uma onda eletromagnética
Pela física designada.
Tento eu, com esta criança poética
Ver no túnel, ao fundo, essa bela encandeada!
O brilho identifica-se com a intensidade
E a frequência com a cor.
Descobri a Luz na mais tenra idade,
Levo a vida com outro sabor!
Luz é a dádiva do caminho,
É o que aclara qualquer alma,
Sabendo que não se está sozinho,
É presença que acalma!
Luz é esperança,
Mesmo que acesa atrás do muro,
Pois não há só tempestade, também há bonança
E um caminho limpo no futuro!
Um circuito de luz é a nossa existência,
No meio de eternidades de escuridão.
Anseio que a noite caia e nessa iminência
Estejas aqui ao lado, meu candelabro, a iluminar esta espécie de coração.
Nem tudo o que luz, é pecado!
Exuberante. Sensual. Inteligente. Gostava de dar nas vistas, que sentissem o seu perfume, que olhassem para a sua maquilhagem carregada, que tocassem os seus cabelos sedosos, loiros, longos e encaracolados, que invejassem as suas combinações com floridos, riscas e padrões, que comentassem qual a origem do seu calçado nunca outrora visto. Todos nela reparavam.
Julgava-se que era descendente de famílias abastadas. Aquele luxo e tanta classe não havia por aí, pelas ruas comuns. As gentes sabiam bem quem ela era, as horas a que passava, apesar de nunca se dar a conhecer. Comentava-se, havia zunzuns de que frequentava um curso reconhecidíssimo de alta costura, que viajava com a família enquanto tratavam de negócios, que era atriz lá fora. Aos mais próximos expunha que era modelo, mas sempre sem dar azo a muito falatório. Estava no auge da vida, tinha vinte e dois. Nova, esbelta e sem preocupações.
Eis que se punha a noite e exibia os seus melhores trajes, as suas melhores joias de pechisbeque que todos julgavam ser de ouro raro. Penteava-se cuidadosamente e colocava acessórios no cabelo, usava casacos de pelo sintético que imitavam perfeitamente os de vison. Ela arranjava-se de dia, nunca ninguém a viu com um único defeito, mas de noite... de noite era diferente.
Muito poucos sabiam onde encontrá-la quando já só se observava a luz da lua. Escondia-se por trás dos arbustos e quando se avizinhava um veículo, aparecia. Do meio do nada. Não precisava de se esforçar muito, pois era automática a paragem de qualquer um. Referia que tinha tido uma avaria no seu carro e logo se ofereciam para “uma boleia”. Tinha o esquema sempre muito bem engendrado.
Carradas de boleias que lhe foram oferecidas, sim, oferecidas. Ela não era uma qualquer. Ela não queria pagamentos, não lidava com dinheiro, não se vendia. Gostava apenas de ser apreciada, tocada, elogiada, isso dava-lhe prazer. Só tinha uma condição: não repetir nenhum chauffeur!
Certa noite, voltou a repetir a trama, um homem parou questionando se era necessária ajuda e referia que aquelas ruas de Monsanto não eram seguras para uma senhora de tanta classe. Ela entrou. Vítor era mecânico e insistiu em saber onde estava o seu carro, que poderia dar uma ajuda. Tudo o que ela queria era a boleia do costume. Entre mil e uma desculpas, lá conseguiu que a levasse à porta de “casa”, mas nada mais. Estranhamente para ela, foi o primeiro a fazê-lo. Levou-a, apenas e só.
No seu pensamento aquilo não fazia qualquer sentido e, não querendo parecer indiscreta, pediu-lhe o contacto para poder arranjar o seu suposto carro. No dia seguinte, pela tarde, toca o telefone da oficina onde Vítor trabalhava. Era ela. Combinaram encontrar-se depois do horário laboral, dizendo ela que assim conseguia ganhar uns trocos por fora. Quando Vítor chegou, não havia veículo algum. Percebeu que era esquema, mas engraçou com ela.
Era casado, duas filhas pequenas e uma vida humilde. Noélia, sua esposa, era uma mulher trabalhadora. Exercia a sua função em casa, cerzideira, tinha os seus clientes fixos e outros que passavam de boca em boca. Tinha umas mãos hábeis, perfecionista como raramente se viu. Conseguia disfarçar os tecidos mais difíceis de trabalhar, fazendo com que se de peças novas se tratassem.
Vítor era feliz com Noélia. Não havia discussões, eram completamente apaixonados um pelo outro. Até ao dia em que ela se cruzara no seu caminho. Marcava encontros a horas improváveis, aparecia de repente no seu local de trabalho... Seduziu-o. Ainda não tinha percebido qual o motivo de ainda não ter existido a tal boleia. Ele era um homem fiel, que embora estivesse a sair da linha, sabia que tinha responsabilidades familiares.
Lá na oficina, Vítor ouviu uns rumores de que ela andava na má vida, que um cliente de topo já tinha comentado sobre o facto de a ter levado a casa. Casa essa que ninguém desconfiava que não era sua, mas ela era tão perspicaz, tão habilidosa, que sabia bem como os enganar a todos. Muito luxo, muitas árvores e um grande portão verde, na zona conceituada do Restelo. Tudo batia certo: a classe dela, a mansão, até o tom e a maneira de falar tão delicada e de palavreado caro.
A sua mãe trabalhava muito, era cabeleireira de dia e tomava conta das crianças durante a noite, nessa tal casa. Era gente importante que ali vivia, gente de viagens, gente que passava dias a fio fora, gente que quase só conhecia os filhos por fotografias, gente que tinha empregadas para tudo e mais alguma coisa, gente que ela gostava de ser. Tinha a chave porque todas as noites ia ter com a mãe.
Viviam as duas sozinhas, em Algés. Não se pode dizer que fossem pouco abonadas ou que passassem dificuldades. A mãe era reconhecida na sua profissão, penteava personalidades e conseguia ter de parte alguns trocos. Os patrões do Restelo também lhe davam muita coisa, principalmente roupa e acessórios que já não utilizavam. Era esse o seu segredo de vestir bem, aleado ao bom gosto que tinha por natureza.
Vítor achou estranho e logo quis confirmar se o que se dissera era verdade. Certa noite, colocou o carro a caminho e lá foi até às ruas de Monsanto. Perguntou àquelas que encontrara se a conheciam e todas negaram. Nem sinal dela. Julgou que eram boatos falseados, homens invejosos. E voltou.
Nisto, Noélia estava já deitada, julgando que Vítor estava a trabalhar, como lhe tinha dito ao telefone e eis que lhe tocam à campainha. Com algum receio, dirige-se à porta e avista uma figura feminina. Era ela. Tinha ido à procura dele, já o tinha seguido até casa mais do que uma vez. Noélia, abriu a janela da sua porta de alumínio e ela questiona imediatamente por ele, novamente com a desculpa de que o seu carro tinha avariado e que era de noite e não queria ir sozinha para casa. Noélia recusou-se a deixá-la entrar, sugerindo que apanhasse um táxi.
No dia seguinte, contou o que se tinha passado a Vítor e surge a primeira discussão entre o casal. Ele sentiu-se incomodado e combinou mais um encontro com ela. Foi nesse dia que ela conseguiu o que ainda não tinha conseguido até então. Foi nesse dia que a sua vida mudou. Foi nesse dia que começou a sua vida a sério.
Vítor mudou drasticamente, não parecia a mesma pessoa. Desligado, longe da família. Saiu de casa, levou tudo o que conseguiu numa carrinha, numa tarde em que a esposa tinha ido a casa de uma cliente com as miúdas.
Noélia ficou sem chão. Duas pequenas para tomar conta, sem marido, sem os eletrodomésticos essenciais. Não quisera acreditar. Viu-se obrigada a voltar para a terra da mãe, no Norte do país, pois sempre tinha a sua ajuda.
Vítor parecia uma criança, sem noção das suas atitudes, mesmo com os seus trinta e seis de vida. Juntou-se com ela, numa casa em Belém, perto dos Mosteiros, e “foram felizes”. Ele passou anos sem ver Noélia e as filhas. Não quis saber. Ela deu-lhe a volta de tal forma que se afastou de quase tudo o que gostava.
Ela teve com ele a vida que sonhou, dizendo-lhe sempre que deixou tudo para trás, por amor. Referia vezes sem conta que os seus parentes não teriam aceite o facto de ela não se ter junto com alguém do seu nível e ele nunca desconfiou de nada. Nunca conseguiu conhecer a família mais próxima, a não ser uma prima que até tinha certas posses financeiras. Ela não cortou relações com a mãe, a cabeleireira.
Viajou, conheceu mais de meio mundo, tinha do bom e do melhor, não cozinhava, as refeições eram sempre feitas nos melhores restaurantes. Todo o dinheiro de Vítor era gasto com o bem-estar dela.
Passaram-se vinte anos e Cândida, a filha mais velha, quis conhecer o pai e avô da sua recém-nascida. Vivia na zona de Cascais, com o marido e foi também ele que incentivou à sua procura. Foi difícil o reencontro. Não havia qualquer número, morada, contacto. Soube do pai através da sua tia, que estava a passar uma fase complicada com o marido, porque descobriu que ele se tinha envolvido com outra mulher (ela). Foi assim que conseguiu chegar até à casa dos dois.
Ela nunca largou o vício, apesar da boa vida que tinha. O Vítor tinha conhecimento de tudo, mas não a deixou. Ela tinha poder absoluto sobre ele e as suas decisões.
Cândida, bateu-lhes à porta e apresentou-se. Conversaram e tentou-se uma reaproximação. Aos poucos, o contacto estabeleceu-se, as idas a casa uns dos outros já eram coisa comum, as épocas festivas eram passadas em família. Parecia tudo recompor-se.
Noélia voltou a casar, voltou para a terra que tinha deixado anteriormente e era feliz. Foi graças a esse homem que ergueu cabeça, que encheu as suas filhas de alegria e teve uma vida digna e cheia de amor.
Um ano depois da reaproximação, o medo de perder tudo começou a fervilhar e Vítor viu-se na obrigação de casar. Tudo com o maior glamour, com a devida lua de mel, com o vestido mais caro e espampanante da loja. Ela quis sentir-se parte da família, mas não quis que ninguém soubesse do passo dado. Ela via perfeitamente como os olhos de Vítor brilhavam ao olhar para Noélia e não queria perder o que anos de vida lhe demorara a construir. Noélia era uma mulher bem resolvida e sentia-se bem consigo própria e com o seu casamento. Talvez isso incomodasse Vítor e a ela também. Queria ser a atriz principal quando das épocas festivas se tratava.
Ela adorava praia, o tom bronzeado do verão e as roupas curtinhas. A Costa de Caparica era melhor do que o Algarve para si. Passavam lá temporadas, conseguiu que Vítor comprasse uma casinha de pescadores e, mais tarde, um apartamento com uma belíssima vista. Tudo o que ela pedia, ele dava. Tinham carros, férias, mais casas e uma vida de fachada.
Dez anos mais tarde, foi diagnosticado cancro a Vítor. Foram momentos complicados, para todos os lados. As filhas sofreram com isso. Ela sofreu com isso. As viagens já eram poucas, devido aos tratamentos, as férias na Costa já não existiam. O armário já há uns tempos que não conhecia roupa nova.
Vítor tinha imensos medicamentos para tomar, tratamentos quase diários. Ela não queria abdicar da vida que tinha e começou por lhe trocar a medicação. Afinal de contas, ele confiava na mulher que tinha ao seu lado. Estranhava-se o facto de ele não melhorar, do seu estado de saúde ser cada vez pior.
As visitas de Cândia e Pérola, a filha mais nova, lá a casa, já eram quase nulas, sempre com a desculpa de que ele precisava de descansar e tinha de se afastar de agitação. Compreenderam. O telefone dela tocava algumas vezes durante a semana, mas sem retorno para as suas filhas. O contacto perdeu-se mais uma vez. Ela tirou-lhe o telemóvel, dizia-lhe que lhe fazia mal à cabeça, que ler era melhor.
Cândida não se conformava com o facto de isso ter voltado a acontecer e durante uma semana seguida tentou visitar o pai na sua casa de Belém. Sempre sem sucesso. Antecedia-se o Natal e como era costume, queria convidá-los para a noite de consoada. Até que chegou o dia e Cândida não desistiu enquanto o telefone não foi atendido. Do lado de lá, ouviu-se uma voz chorosa que deu a notícia de choque. O pai tinha falecido devido à doença.
Falaram durante minutos breves, ela não se quis prolongar. O pai tinha falecido há um mês, foi cremado e as suas cinzas não se sabe bem onde permanecem, ela não quis referir. Cândida não sossegou enquanto não descobriu o motivo de tanto isolamento e mistério em volta da morte do pai. Colocou um advogado e afastou-se dela.
Anos se passaram, mas a boa vida que tinha, essa não acabou. Continuava a viajar, a ter os homens todos à sua voltam a vestir-se bem, como diva que se sentia. Nunca vestiu preto nem fez luto.
A certa altura, a justiça avançou e veio à tona que vendeu maioria das casas, em apenas uma semana, ao desbarato. Que vendeu os carros, mas não as joias e os casacos de pele. Foi aí que se descobriu que era casada com Vítor e que conseguiu falsificar os documentos necessários, referindo a inexistência de herdeiros. Questões familiares chatas. Foi umas vezes a tribunal, mas nada aconteceu.
Sentia umas falhas de memória, mas nada alarmante, achou. Coisas como esquecer-se da carteira, não se lembrar se tinha pago as refeições, não saber onde estava Vítor. Até que dias correram e foi a um especialista. Inícios de Alzheimer foi o diagnosticado. Ficou louca, não queria perder bons anos de vida que lhe restavam, não queria esquecer-se das memórias que construiu.
Deixou de cuidar de si, do seu cabelo longo, dos seus caracóis, da sua maquilhagem. Chegaram a encontrá-la na rua, despida, e a levá-la ao hospital. Ficou completamente só e arrasada. Ficou sem nada. Foi-lhe decretada uma pena, devido aos crimes que se vieram a descobrir que cometeu. Levaram-na para a mitra, nomearam-lhe um tutor e é lá que vive até aos dias de hoje. Alguns bens conseguiram ser recuperados a favor de Cândida e Pérola, outros nem sinal.
O seu estado piorou, devido à idade avançada foi perdendo a visão. As suas roupas servem para vestir todos aqueles que lá vivem consigo. As joias, o ouro, ficaram perdidos no tempo. O dinheiro das reformas de Vítor era chorudo, não só por ser mecânico, mas também ex-militar e hoje apenas serve para pagar a sua estadia.
Sem família, sem bens, sem noção. Ela quis sempre mais, por mais lucros que a vida lhe desse. Tinha necessidades de adultos. Vícios. Ela nunca amou Vítor. Ele foi apenas um meio de conseguir o que quis. Manipulou-o e isso fazia com que se sentisse realizada, a aliar ao facto de que ia tendo as boleias dela. Por mais irónica que a vida seja, hoje não existe qualquer memória do seu passado. E há sempre a questão clichê que paira no ar: Porquê?
Só ela um dia soube.
Eu quero. Quero escrever sobre outro assunto qualquer e não consigo. Garanto-te que me sentei com a ideia de escrever sobre outra coisa sem seres tu. Bolas, que isto é complicado, tentar escrever sobre algo que esteja ao nosso lado e tudo me faz lembrar de ti!
Até os biscoitos do gato que estão na secretária, o sapato que tenho espalhado no chão do meu quarto, as almofadas que permanecem na cadeira. Haverá alguma maneira de eu me abstrair?
Inclusive na minha própria casa tu invades o meu espaço sem pedir autorização, tu entras sem dizer nada, como se isto fosse tudo teu! Enganas-te! Foi a última vez que o fizeste!
Tirei o dia de folga para fazer limpezas, peguei no pano do pó, no balde, na esfregona e comecei a limpar as impurezas, porque cada canto desta vivenda, de cada móvel, transpira à tua pessoa. É um cheiro a ti que não se aguenta! E tanto que eu me perdi nessa fragrância, sem teres deixado cá o teu perfume.
Fiz uma pausa para comer, sentei-me ao redor da mesa e vi-te. Vi o teu reflexo no vidro de tão limpo que ficou. Tanta história que ela tem, se falasse...
Dizias que adoravas aquelas pernas e não eram as da mesa, a bancada de mármore era a tua favorita, gostavas da textura e do facto de ser exatamente à tua medida. Preparavas cozinhados fenomenais.
Lá estou eu, outra vez, a tentar mandar-te embora de minha casa, porque já se faz tarde, já há muita hora que se faz tarde! Tens de sair! Sem que eu te dê boleia e, desta vez, só o desejo te vai acompanhar à tua casa!
Estou exausta, hoje foi um dia cansativo. Tentei arrumar a casa toda enquanto tu a desarrumavas na minha cabeça.
Tu apareceste e começaste por me mostrar horizontes que eu desconhecia, imagens que nunca tinha visto, palavras que nem sabia o que queriam dizer.
Tu apareceste e elucidaste-me que há sentimentos recíprocos e que a força não consiste em não cair nunca, mas em levantar de cada vez que se cai.
Tu apareceste e ensinaste-me a importância de gostar e que há lugares com tanta história que parecem falar.
Ensinaste-me tudo o que eu nem imaginava e fizeste-me descobrir coisas ocultas.
Um dia, viraste-te para mim e perguntaste se eu sentia amor. Eu respondi muito, mas muito lentamente, saboreando devagar as palavras:
Que as pessoas podem duvidar daquilo que dizemos, mas acreditarão sempre naquilo que faremos e eu demonstro-te todos os dias que a tua imagem reflete de forma total e absoluta o amor que trago no coração e o intelecto pelo qual me apaixonei profunda e eternamente.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.